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Blog do 

Julio Maria

Jornalista Cultural | Biógrafo | Crítico Musical | Músico

A última carta de Rita Lee

Veja texto que a cantora deixou para os filhos e o marido, Roberto de Carvalho. Material é mostrado no doc Mania de Você, da HBO Max

Rita no show Refestança, de 1977 / Foto: Marcos Santilli

Roberto de Carvalho tenta ler, mas não consegue. Para, chora, respira. Seus filhos fazem o mesmo. É preciso saber o que Rita Lee escreveu à família. Todos já sentiam que ela estava perto de partir.

 

Três meses antes de sua morte, em fevereiro de 2023, enquanto uma equipe de filmagens colhia depoimentos de nomes como Gilberto Gil, Ney Matogrosso e do guitarrista Luis Sérgio Carlini, Roberto mostrou a carta ao diretor do documentário, Guido Goldberg, da produtora argentina Mandarina Contenidos.

Depois de Roberto e o filho do meio, João, que morava com os pais, lerem primeiro, Guido propôs que os outros dois filhos lessem o material diante das câmeras. As reações de Beto, o mais velho, e de Antônio, o caçula, foram captadas em tempo e emoções reais. Rita se foi e o documentário Rita Lee: Mania de Você estreia agora, na plataforma HBO Max. Não por acaso, surge neste 8 de maio, dia em que se completam dois anos sem Rita Lee.

Apesar de trazer muitas imagens marcantes de carreira, a carta é maior a revelação do filme. Ali, Rita não “fala” como uma mãe urgente de conselhos e ensinamentos por estar à beira da partida. Ela não orienta caminhos, não pede cuidados com as “coisas da vida” nem desculpas por qualquer sofrimento que mães também podem causar a seus amores. Mas Rita, leve, sorri e agradece. Aos meninos, “por terem nascido de seu ventre”, e a Roberto, por ter sido o pai de cada um deles.

 

A carta de Rita:  

“Amados do meu coração:

Eu queria saber falar bonito para cada um de vocês o que sinto no fundo do meu coração, mas me expresso melhor escrevendo. Você, Roberto, é o namorado mais fofo que existe. Sempre elegante e discreto. Precisa ser ‘mucho macho’ para aguentar uma mulher escandalosa, ex-presidiária, cinco anos mais velha e nem sempre fácil de lidar.

Você, Beto, sempre será meu loirinho, mosquitinho... Aquele que numa época em que minha vida passava por momentos difíceis cuidou de mim com ternura e respeito, sem nunca me julgar.

Você, Juca, meu moreninho (...). É um cara mais retraído, mas nem por isso menos atrevido quando percebe alguma injustiça. Assim como eu, sua grande paixão são os bichos. E eu te entendo perfeitamente. Obrigada por ser essa pessoa abençoada e iluminada.

 

Tuli, meu caçulinha... Você, como bom leonino, é uma figura ensolarada. Desde pequeno enfezadinho, independente, sempre sabendo o que queria. Obrigado por ser essa pessoa zen e bom de papo. Entendo perfeitamente porque as garotas te acham um sedutor.

 

Obrigado a vocês, Beto, Juca e Tuli, por terem nascido de mim. E obrigado Roberto, por ser o pai deles. Deus os abençoe e os proteja”

 

Presença ‘impresente’

Rita segue como uma artista presente. A frase é um tanto clichê, mas nada tem de poética. Não é sobre o poder das canções, das ideias ou do legado, o que já seria edificante, mas a respeito da capacidade que um artista tem de seguir produzindo fatos biográficos. Poucos artistas atingem esse ponto, o da vida presencial pós morte, artisticamente produtiva e atual. E como pode isso? Rita viveu mais do que coube em seus 75 anos, como diriam os católicos, “do tempo comum”. Seu presente transbordou de tal maneira que inundou o futuro, inspirando afetos e condenando desafetos a ouvirem sua voz em looping até o fim de suas existências, conhecerem novas composições, rirem de suas ironias, enfezarem-se com suas provocações e orientarem-se por suas ideias.

As novas composições assinadas por Rita e Roberto virão à luz assim que seu marido (desculpem, impossível escrever “viúvo”) musicar as muitas letras que ela deixou. Seu filho, João, diz: “Para minha surpresa, continuo aprendendo muito com ela. Tem aspectos que eu não conhecia sobre sua vida. Consegui me conectar a ela de uma maneira incrível nesses últimos dois anos.”

 

E sobre as orientações, elas foram seguidas o tempo todo, como diz Roberto, enquanto a família abriu sua casa e seus arquivos para os documentaristas. “Seguimos o que seria a intenção da Rita com relação ao documentário. Ela sempre foi muito exposta com relação à vida. Então, supomos que ela estaria se sentindo representada com a nossa presença, expondo o que estava acontecendo. E era aquilo o que estava acontecendo.”

Roberto, que também leu um trecho da carta diante das câmeras até ser devastado pelas palavras de Rita, diz ao repórter: “Foi um momento extremamente dramático, me debulhei de tanto chorar. E eram lágrimas despidas de qualquer resíduo de testosterona masculina. Era tristeza mesmo.” João fala dos dois anos sem a mãe: “Hoje, sinto que parece que o ciclo está rodando e eu sou ela há 30 anos, quando ela tinha a minha idade. Ouvi histórias sobre como ela se relacionou com a mãe, que também não estava presente. A mãe também morreu de câncer. Eu tenho todo um ensinamento a seguir, não para ser igual a ela, mas para evoluir.”

Julio Maria

Marcos Santilli.jpg

Quinta-feira, 8 de maio de 2025

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